Por que nenhuma empresa de futurismo antecipou uma pandemia em 2020?

EPIC People Brasil
3 min readNov 5, 2021

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Arranha-céus e túneis (1930) de Fortunato Depero. Crédito: TodaMateria

Reflexões sobre a conferência global do EPIC

(Essa foi uma pergunta que ressoou bastante durante painel da programação da conferência global do EPIC, comunidade de profissionais que praticam etnografia gerando impacto em negócios e organizações. Totalmente online em 2021, o evento aconteceu ao longo de duas semanas seguidas com o tema “Anticipation” e trouxe profissionais de todo o mundo compartilhando casos, participando de debates ou apresentando painéis. Eu fui uma das voluntárias do EPIC Brasil a acompanhar a programação.)

Essa é uma questão muito sincera e interessante porque é desconfortável para quem trabalha com pesquisa nestes tempos: por que não fomos capazes de antecipar a pandemia?

Não faltaram sinais. Muitos cientistas anunciavam há anos o risco de uma grave doença respiratória e, em 2014, até um discurso do então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, já trazia essa ameaça como algo a prever no horizonte. Então, como nenhum relatório apontou esse cenário?

Durante o debate no painel “The Future of Business in a Post-COVID Landscape”, os etnógrafos convidados chegaram à conclusão de que esse é um reflexo de não se considerar algumas fontes valiosas em trabalhos de pesquisa (trabalhos científicos, pesquisas acadêmicas e dados da sociedade são exemplos) ou de não se conseguir traduzir esses sinais em impactos cotidianos, em impactos para instituições e pessoas.

Após assistir a programação e rever minhas anotações do evento, sublinho: em qual direção estamos olhando?

Essa é uma pergunta-lembrete que levo comigo como principal aprendizado da conferência deste ano.

Ainda que esses temas ocupem boa parte de nossa energia e tempo nos encontros em projetos, a conferência do EPIC 2021 não foi sobre “frameworks”, inovação de forma isolada ou tecnologia de ponta sendo usada como técnica para pesquisa.

No momento em que a comunidade de etnógrafos pôde respirar, trocar experiências e olhar para seu trabalho nos últimos meses, o que emergiu foi principalmente um chamado para direção-intenção de olhar que recupera o essencial em etnografia ao mesmo tempo que nos provoca para uma atuação mais responsável e consciente.

Nas minhas notas, 8 falas do EPIC que compõem esse chamado:

  1. É fundamental zelar pelo rigor técnico para que nossos trabalhos possam traduzir com sinceridade o passado, o presente e o futuro.
  2. Observar o não dito, a exceção e o espontâneo continua sendo a base da criação de metodologias alternativas e criativas porque implica em espaço-tempo para o essencialmente humano.
  3. Setor público, setor privado e academia estão lidando com problemas de pesquisa muito similares, logo, podemos considerar um olhar mais abrangente para os dilemas da sociedade em busca de soluções e métodos realmente efetivos.
  4. É importante desenhar formas de interação em etnografia que considerem também o contexto emocional e psicológico das pessoas pesquisadoras e pesquisadas. Principalmente em um ambiente global de traumas coletivos.
  5. Precisamos nos dedicar a imaginar e a influenciar, por meio do fazer etnográfico, futuros mais justos para mais pessoas. E que mais pessoas se enxerguem nesses cenários positivos.
  6. Além das esferas tecnológica, ambiental, econômica, social e política, já é hora de acrescentarmos a camada INCLUSÃO nas nossas leituras de cenários: quem estamos incluindo ou deixando de fora de um passado, presente ou futuro que mapeamos?
  7. Devemos criar condições estruturais (tempo, remuneração, acesso…) para que populações até então marginalizadas (indígenas, afrocentradas, LGBTQIA+, pessoas com deficiência, entre outras) imaginem os futuros. Muitas vezes estudadas a partir de olhar da carência, tais pessoas são potentes ao vislumbrar o porvir.
  8. Abrindo o horizonte do tempo para além dos meses a seguir, podemos perceber que estamos na era do “Long Covid” e não do Pós Covid: as próximas ondas do próprio Covid num fluxo pandemia-epidemia-endemia, as prováveis próximas doenças e a mudança climática tendem a nos manter em um constante ciclo de reflexões, riscos, restrições e transformações.

Após assistir a programação do EPIC 2021, fica a responsabilidade diante do papel de nosso trabalho em um mundo com tantos desafios, fica a inspiração por seguir mapeando e traduzindo possibilidades de vida ainda pouco consideradas.

Escrito por Mayra Fonseca
Mestre em Antropologia e Etnografia pela Universidad de Barcelona (Espanha), em mais de 21 anos de experiência, já atuou em todas as regiões do Brasil e LATAM contribuindo para diferentes projetos e instituições. A voluntária do EPIC Brasil é consultora independente, mentora, palestrante e professora.

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Grupo multidisciplinar que busca criar um espaço colaborativo a respeito de práticas de pesquisa, e estabelecer pontes entre o saber acadêmico e o mercado